Reforma Tributária

Implicações da Reforma Tributária para o setor produtivo em debate no Recife

A PEC 45/19, aprovada pela Câmara dos Deputados, na semana passada, foi a base do debate que reuniu empresários e especialistas na sede da Federação das Indústrias (Fiepe), no Recife, na segunda-feira (10). “Tivemos um debate concreto, apenas quatro dias após as decisões dos deputados, que serão discutidas no Senado”, resumiu o presidente da Fiepe, Ricardo Essinger.  

O tema do evento, "Implicações da Reforma Tributária para o Setor Produtivo", promovido pela Ceplan Consultoria Econômica e a Planisa, Consultoria Econômica e Tributária, levantou questões importantes tanto no ambiente local de negócios como nacional.  

Os organizadores do debate, os economistas Jorge Jatobá (Ceplan) e Marcelo Barros (Planisa), expuseram o contexto em que a reforma finalmente foi aprovada, abrindo as apresentações dos convidados: o secretário da Fazenda de Pernambuco, Wilson José de Paula, o auditor da Sefaz/PE Décio Padilha, ex-presidente, na gestão 2022, do Comsefaz – Comitê que reúne Secretários da Fazenda dos Estados; e os representantes da indústria, Mario Sérgio Telles, gerente executivo de Economia da Confederação Nacional da Indústria (CNI), e o vice-presidente da Fecomércio-PE, Archimedes Cavalcanti Júnior, também presidente do Conselho Federal dos Representantes Comerciais (Confere). 

O encontro reuniu quase cem empresários, opiniões divergentes ou convergentes sobre o texto aprovado, mas todos interessados em entender melhor o que a reforma traz para o setor produtivo. “Finalmente conseguimos avançar. Há um temor por parte dos governadores de perdas de arrecadação, mas a reforma traz o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional – FNDR, para compensar perdas com o fim dos incentivos fiscais, em 2032, e que foram muito importantes para a transformação econômica do Nordeste nos últimos anos”, afirmou Jorge Jatobá, lembrando estudos recentes da Ceplan Consultoria Econômica. “A pernambucana Moura e a global Stellantis são exemplos da evolução da cadeia automotiva em Pernambuco que provam o crescimento da industrialização do Nordeste num período em que o Brasil passava pela desindustrialização”, explicou o economista. 

O também economista Marcelo Barros, do FNDR, criado pela reforma, destacou a polêmica entre os estados em torno dos recursos do FNDR, que podem chegar a R$ 80 bilhões, e seriam destinados a desenvolvimento regional. “É a primeira vez que surge um fundo nacional para desenvolver todas as regiões e não apenas as mais pobres. Isso leva às exigências de governadores que podem enviar recursos para estados já bem desenvolvidos, como São Paulo, em detrimento de outros que ainda estão em desenvolvimento e precisam de mais investimentos”, observou. 

Para o secretário da Fazenda de Pernambuco, Wilson José de Paula, a reforma tributária será positiva para o setor produtivo. “Teremos novos atores na base tributária brasileira e um novo princípio de não cumulatividade ampla. Vai ser uma grande virada para a indústria. Há muitas dúvidas, muitos caminhos a serem percorridos e espero que daqui saiam ideias para serem discutidas no Senado Federal”, afirmou.  

O regime tributário do Simples também foi muito discutido no debate. Para Décio Padilha, ele é uma exceção, como a Zona Franca de Manaus, que deve ser mantida pelo caráter social que representa para regiões que precisam avançar na industrialização e para fortalecer as micro e pequenas empresas, responsáveis pela a maior absorção de mão de obra no Brasi, ajudando a economia nacional. “A carga tributária líquida do Simples é muito distante da normal, mas faz sentido com o princípio constitucional do tratamento diferenciado que deve ser dado aos excluídos, os que mais precisam de apoio”, declarou.  

Ainda sobre o Simples, Mario Sergio Telles esclareceu que a reforma dá uma opção à empresa de entrar no novo regime do Imposto Sobre Valor Agregado – IVA, para apurar a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS) e ter o direito de transferir créditos. Se preferir, pode permanecer como está, no modelo atual do Simples. “A empresa vai escolher o que for mais interessante para ela”, concluiu Telles. 

Principais aspectos da reforma

Entre os aspectos positivos, o principal é que, após três décadas de discussão, agora existe uma proposta aprovada. Ela seguirá para o Senado Federal, após o recesso parlamentar, onde deve sofrer alterações e passar por nova votação. 

Outro aspecto importante é que a nova versão da PEC 45/19 atende à esperada simplificação do sistema tributário nacional, hoje formado por uma extensa e volátil legislação da União, Estados e Municípios, causando um caos para as empresas e órgãos fiscalizadores. 

A complexidade atual é bancada pelo dinheiro do contribuinte, seja pessoa física ou jurídica, e é repassada aos preços de bens e serviços. Além de pagar os impostos, as empresas precisam arcar com uma estrutura contábil e jurídica para poder acompanhar as leis tributárias. 

Com a criação do Imposto Sobre Valor Agregado (IVA Dual, um para a União e outro para os estados, Distrito Federal e municípios) ergueu-se a ponte para a simplificação. O IVA agregou os impostos federais (PIS, IPI e Cofins) na Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e unificou o ICMS – dos Estados, e o ISS – dos municípios, no Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). 

Os dois IVAs irão incidir sobre todas as atividades econômicas tangíveis ou intangíveis, exceto as exportações. Eles irão substituir, paulatinamente, cinco tributações: o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), de âmbito estadual; o Imposto Sobre Serviços (ISS), cobrado pelos municípios; e os federais - Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins). 

A transparência é outra boa notícia da reforma e vem com o fim da cobrança do imposto na origem, e com clareza para o comprador de quanto pagou de impostos porque incide sobre cada etapa do processo produtivo. Agora, o contribuinte vai pagar, gradualmente após uma longa transição, impostos apenas no destino da mercadoria e dos serviços 

Numa reavaliação, a reforma estabeleceu redução de 100% da CBS e do IBS para dispositivos médicos e de acessibilidade para pessoas com deficiência e de 100% da CBS para os segmentos de educação superior (Prouni). Também haverá reduções de 60% da alíquota (ainda indefinida) para serviços médicos e de educação; medicamentos e produtos de cuidados básicos à saúde menstrual; produções artísticas, culturais, jornalísticas e audiovisuais nacionais e atividades desportivas; e para os serviços de transporte público coletivo. 

Na avaliação do economista e sócio da Ceplan, Jorge Jatobá, apesar de tardia, a reforma coloca o Brasil no conjunto de países que adotam o IVA como instrumento de taxação sobre o consumo. Embora o setor de serviços possa ter um aumento de carga tributária, ele considera a reforma bem vinda para a indústria porque o setor pagava impostos cumulativos em sua, às vezes, longa cadeia produtiva. “A PEC 45 contém os princípios básicos da reforma. É natural que tenha causado polêmica pois afeta interesses longamente estabelecidos”, observa o economista. 

A expectativa é de uma longa transição entre o atual sistema tributário e o novo, que poderá durar até 50 anos, devido aos prazos de adequação. 

O fato é que os diversos pontos polêmicos da reforma depois de alterados e aprovados pelo Congresso Nacional (Câmara e Senado) precisarão de regulamentação por leis complementares. “Após décadas de debate e de inépcia, o país iniciou o processo de aprovação da reforma do seu sistema tributário. A reforma contribuirá para a modernização do país e deverá aumentar a competitividade de sua economia. O sistema atual é oneroso, injusto, litigioso e regressivo tanto para o setor produtivo quanto para a sociedade como um todo”, observa Jorge Jatobá. 

Impactos regionais 

No parecer da PEC 45/19, aprovado pelos deputados federais, alguns pontos terão mudanças que podem impactar regiões. É o caso do Fundo Nacional de Financiamento do Nordeste (FNE), administrado pela Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e operado pelo Banco do Nordeste (BNB). 

Trata-se de um instrumento constitucional de fomento para a economia regional, formado por 3% da receita do Imposto de Renda e do IPI. Na distribuição com os outros dois fundos regionais (Norte e Centro-Oeste), o FNE fica com 1,8% do total, a maior parte. O valor financia projetos em 2.074 municípios nos nove estados do Nordeste e cidades do Norte de Minas Gerais e do Espírito Santo. 

No novo sistema tributário, o FNE passará a contar apenas com recursos do Imposto Seletivo (IS), um novo imposto federal. Ele irá incidir sobre bens e serviços prejudiciais ao meio ambiente e à saúde, como cigarros e bebidas. Ainda depende de regulamentação para definir a incidência. “Haverá uma perda substancial para o FNE”, prevê o ex-secretário da Fazenda de Pernambuco e ex-presidente do Comsefaz, Décio Padilha. 

Outro ponto preocupante para a economia dos estados é o fim dos incentivos fiscais baseados no ICMS, um forte instrumento para atrair empreendimentos como indústrias e centrais de distribuição. Se por um lado extingue-se a guerra fiscal entre os estados, por outro os governadores e empresários irão enfrentar uma longa transição porque os incentivos serão encerrados em 31 de dezembro de 2032, com redução gradual a partir de 2029. 

Para compensar as mudanças, a reforma prevê a criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR) com o objetivo de reduzir as desigualdades regionais, estimulando o desenvolvimento e a geração de emprego e renda nas regiões menos desenvolvidas. 

Também está previsto um Fundo de Compensação de Incentivos Fiscais ou Financeiros-fiscais do ICMS para compensar empresas que receberam incentivos por prazo certo. Elas ficariam descobertas com a proibição, pela reforma, de obter a renovação de seus incentivos fiscais a partir de 2032. 

reforma